domingo, 21 de março de 2010

Às mestras, com carinho

Estudei no Grupo Escolar Buarque de Nazareth, hoje, Colégio Estadual Buarque de Nazareth. Morava na General Osório e atravessava a ponte de ferro todos os dias em direção à escola.
No começo, minha mãe ia comigo. Eu chorando e ela me arrastando pelo caminho. Que pavor eu tinha da escola! Eu queria morrer, desaparecer...Não sei até hoje explicar tal rejeição. Era uma mistura de medos, do insucesso e do abandono. Afinal, minha mãe ia embora e eu ficaria à mercê de um mundo que eu não conhecia.
Nos priemiros dias , ela sentava-se na sala comigo, até que eu parasse de chorar. Como a situação prolongava-se, um dia ela me deu o ultimato: Ou você fica, ou vai apanhar!Fiquei. Que escolha!?
E o tempo foi passando e eu fui conquistando minha segurança. E vieram D. Maria José Barreto e seu falar carinhoso - sei hoje que ela tinha os olhos da Cecília Meireles, calmos, fundos e muito delicados; D. Elba, essa tinha um quê de mistério: levava-nos a sua casa; em sala, penteávamos seu cabelo, ou seja, oferecia-nos uma proximidade que para mim era a verdadeira intimidade familiar. Um dia chegou D. Celina Sílvia. Recém-casada com um médico, ela era a pura expressão da beleza. Linda, linda, linda! Me lembro de ela ter perdido o pai. Nos primeiros dias, quando voltou ao trabalho, ia de preto, do vestido às meias (as mulheres, naquela época guardavam luto também no vestir, e não fosse pela dor, ficavam elegantérrimas!). Mais adiante , encontrei-me com D. Eny. Mulher de fibra, brava, ensinava-nos Matemática com potência, as operações matemáticas, em especial, a divisões (Será que alguém neste mundo sabe fazer uma divisão com os pés nas costas? Porque eu nunca tive a habilidade. Graças a Deus vieram as calculadores para me redimir!).
E como o mundo é pequeno, gira, vai e traz de volta tantas emoções, lá sou eu convidada para fazer uma pequena palestra, na minha insipiência de mestre em aprendizado constante, no Buarque.
Quando entro na escola, sinto a emoção explodir e me invado em lágrimas ao ver estampado no corredor central da escola um quadro, destes de formatura, com meu retrato: eu havia chegado a oradora da quarta série. Já na sala em que iria ocorrer o encontro, os professores sentados me aguardando, eu recebida com muita diligência, vejo entre eles D. Anete Pegorin, minha ex-professora nesta mesma escola. Chorei um pranto de alegria e de saudade!
Novamente o mundo gira, e eu reencontro anos depois, professora de curso de graduação, D. Eny, como aluna. Este encontro nos rendeu uma matéria no jornal e a sedimentação da amizade, do respeito, da troca.
Fiz carreira no magistério porque tive o melhor dos espelhos, minha mãe. Mas não posso me esquecer de que tive excelentes professoras naquele primeiro momento da vida escolar, que contribuíram de maneira efetiva para minha formação ético-profissional.
A elas, com carinho e com afeto, dedico esta crônica.

Fiota e Fiinha

Durante a minha primeira infância, convivi muito de pertinho com minha avó paterna. Quando eu tinha seis meses de idade, minha mãe, aprovada em concurso para o Magistério oficial - ainda que classificada entre os primeiros - foi trabalhar em São Pedro D'Aldeia, deixando-nos, minha irmã e eu, com papai. Minha irmã com três anos ficava aos cuidados do papai, e eu fui morar minha avó paterna. Fidelina de batismo, vovó era uma mulher forte, negra e cega. Mas, apesar da cegueira, dava ordens e todos a obedecíamos.
Vovó Fiota, como era conhecida, morava no bairro Aeroporto, conhecido naquele tempo como Reta. Sua casa, dividida ao meio, abrigava a filha Amélia e seu marido, tio Nílson. Na outa medade, moravam vovó e seu marido, meu avô por empréstimo, João.
Os dias da minha infância, até pelo menos os nove anos, eram um ir e vir: de casa para casa da vovó. Lá eu reinava absoluta: quando a Fiinha chegava, não havia espaço para mais ninguém. Eu me sentia uma rainha!
Vovó Fiota passava muito tempo sentada numa pequena varanda nos fundos da casa. Esta varanda dava para um pequeno pomar repleto de pés de lima; uma pequena horta; um coqueiro bem alto; uma cacimba, de onde recolhiam a água; galinhas; um amontoado de lenhas, que eram rachadas pelo meu avô, sempre que chegava do trabalho. Ela me punha no colo, eu deitava sobre suas pernas, pendia a cabeça e no balanço lento das suas coxas via o mundo de pernas para o ar. A imagem daquele céu azul da minha infância, a sensação do vento manso e as horas calmas das tardes estão grudadas nas minhas retinas e na minha memória.
Entretanto, dois momentos eram especiais: o acordar e ver pelas frestas das telhas a luz do sol, e a hora da refeição - num prato de alumínio, comíamos juntas, minha vó e eu. Ela colhia a comida com o garfo para si, e no cabo do utensílio para mim. "Come, Fiinha, pra você ficar gordinha". Com estas palavras ela ia me alimentando, cuidando de mim, me escolhendo a predileta.
Minha avó, quando moça, dizem ter sido muito atraente. Inteligente, dava para ver. Quando nova, gostava de estudar química, de ler. Entretanto, acometida de glaucoma, aos poucos foi perdendo a visão. Foi uma trangressora. Apaixonou-se diversas vezes. Teve quatro filhos com três maridos diferentes. O último, João, deu-lhe a única filha e assumiu, em especial, meu pai como filho. Lindo, louro, de brilhantes olhos azuis, meu avô, que era carroceiro, parecia um ator de cinema.
Convivi pouco, mas intensamente com ela. Ouvia suas histórias, e muitas me fizeram ser a mulher que sou. Aquela que "fidelinamente" vai devastando as florestas do querer: incontida, repleta, perceptiva, mulher.