domingo, 15 de agosto de 2010

Mulher, 40 graus à sombra

Quando nasci, um anjo quieto, sereno, calmo e chorão disse: Vai, cumprir sua sina, fundar reinos, inaugurar linhagens... A tristeza não será sua irmã, mas a alegria, esta, sua grande companheira. Um dos dedos da mão de uma família de cinco (talvez o mindinho), cresci magra e miúda, verdadeiramente uma menina-diaba, de cabelos crespos e indomáveis.
Recebi de mamãe e de papai uma criação que me ensinou a ser responsável e a dividir com meus irmãos afeto, cuidados e respeito. Com meus irmãos, aprendo, todos os dias, que dificuldades veem, mas passam; que respeito é bom; e que família é tudo! Compartilho dores e sabores, alegrias e tempestades, a observação de que viver é bom, e de que a voz do sangue é forte e inquestionável.
Comecei a trabalhar muito cedo, escolhi o ofício porque tive o melhor dos espelhos: minha mãe. Com ela aprendi a arte do magistério. Acho que sempre quis fazer tudo parar agradar minha mãe. Acho, não. Tenho certeza. E disto nunca me arrependo!
Pude experimentar a glória de ser mãe. Aliás, sempre me orgulhei de ser mãe, em primeiro lugar. Filhos? Melhor não tê-los. Mas se não os temos como sabê-los? Como saber que macieza nos seus cabelos que cheiro morno na sua carne que gosto doce na sua boca! Chupam gilete, bebem xampu, ateiam fogo no quarteirão. Porém, que coisa que coisa louca, que coisa linda que os meus filhos são! Acho que cumpri direitinho meu papel. E me orgulho disto também.
O tempo passou e outras pessoas entraram em minha vida. Fiz companheiros e amigos verdadeiros. Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Conheci lugares e pessoas. Cresci. Transgredi para viver. Mas a menina ainda mora cá dentro. Tenho em mim todos os sonhos do mundo. Busco a terra sem vento, a mansa terra. E a batida surda e quente do magma mais profundo, para embalar o meu sono. Busco a tranquilidade da enseada. Já conheci as águas que é preciso saber. Fui bem além das colunas de Hércules e há muito descobri que por mais longe o mar, jamais despenca. Lancei meu canto por entre espumas, encantei marinheiros. E eu própria naveguei, seguindo as estrelas do céu, contando as estrelas do mar, até chegar a portos dos quais nem suspeitava a existência. Agora é tempo de lançar as tranças na água e deixar que se enlacem nos rochedos, ancorando-me ao meu destino.
Agradeço a Deus a bênção da vida e peço: tende piedade, Senhor, de todas as mulheres porque ninguém mais merece tanto amor e amizade.

sábado, 14 de agosto de 2010

Coisas do amor

As coisas do amor. Nunca soube de alguém que jamais tivesse buscado o amor. Não aquele só feito de plenitude, amor que durasse a vida inteira... Mas também aquele que pulsa o sangue na veia, é voraz e também passageiro. Ama e já não ama. Ama e já não sabe mais o que ama.

Importa amar. Amar e mal amar. Sentir o famoso frio na barriga, a dor iminente, o perigo do abismo, o rubor na face.

O primeiro amor é como algodão doce. Come-se depressa pra aproveitar o sabor e ficar sentindo o gosto se desfazendo pouco a pouco na boca.

Meu primeiro amor foi algodão doce, calafrio e calor. Boca seca, coração aos pulos, vertigem, náusea. Na minha insipência de mulherzinha de poucos anos, considerei que estava fadada ao sofrimento e ao abandono. À noite, tecia os sonhos amorosos, que nunca seriam revelados a não ser para mim mesma, minha única e leal confidente.

Ah, quanta dor a devorar meu coração ignorante e desimpedido! Mas quando se é menina, nos parece que amamos o mais bonito, o mais popular, portanto, o proibido.

Descubro então a crueldade do amor. E prometo a mim mesma nunca mais amar. Até que uma nova paixão invada, sem perdão, a minha vida